20060109

Há muito que o rio Tejo já não é propriamente o sítio mais limpo onde se tomar banho. Poderão, é claro, argumentar que também está longe de ser o pior, ao que eu argumentarei de volta que mesmo assim não será o melhor.
É claro que daí a criar vida vai um grande passo. A vida não se cria com um estalar de dedos e é necessário um ambiente muito específico para a fazer surgir. Se o ambiente for demasiado tóxico e poluído nada nascerá de lá, a não ser talvez baratas, as quais toda a gente sabe não serem as formas de vida mais afáveis existentes no planeta (e nem pouco mais ou menos as mais inteligentes, se lhes prestarem alguma atenção), por outro lado demasiado limpo e não haverá nada que faça por milagre aparecer nova vida.
Nesse ponto, concordarei com vocês, o rio Tejo tem o ambiente ideal.
Um dia a passear pela zona das docas à noite (numa daquelas noites em que toda a gente ou já ficou estupidamente bêbeda e foi para casa curar ressaca, ou estava estupidamente sóbria e foi para casa aborrecida ou estava estupidamente no ponto ideal e foi para casa comemorar a ocorrência) e encontrei-me numa daquelas alturas em que o rio cheira muito mal.
Muito mal.
Um grande indicador de que algo cheira mal é o cheiro ganhar características físicas sólidas. Após tal ocorrência dificilmente poderá cheirar pior.
Neste caso o cheiro demonstrava-se perante mim de uma maneira bastante sólida, se bem que bastante relaxada, flutuando alegremente pelo rio. Enquanto observava as suas várias manifestações, uma delas decidiu-se a passar perigosamente perto da margem acenando-me alegremente.
Eu, claro, acenei de volta.
A coisa debateu-se para vir dar à margem e fez um esforço para subir para o passeio.
"Olá" -disse-me ela- "Acabei de ser criado. Sou completamente novo no Universo em todos os aspectos. Há alguma coisa em que me possa ajudar?"
Menos impressionado do que deveria estar numa situação destas respondi-lhe com um aparente à vontade que talvez lhe pudesse mostrar alguns dos bares.
"E o que me diz àcerca de amor e felicidade? Sinto que vou ter grandes necessidades de coisas desse género"- disse-me ele abanando uns tentáculos- "Algumas pistas que me possa dar?"
"Podes arranjar um pouco disso nos bares que te mostrar", disse eu, um pouco aborrecido pelo que eu considerei uma franca interrupção no meu processo de me sentir mal comigo próprio, sozinho e francamente pouco feliz.
"Sinto instintivamente"-disse o bicho com um ar de grande urgência-"que deveria ser bonito. Sou?"
"És bastante directo, não és?"
"Não há grande coisa que ganhe em arrastar-me por aí. Sou ou não?"
A coisa estava basicamente a escorrer por todo o lado agora, a fazer bolhinhas e o som de alguém a andar na lama. Um bêbedo que andava por perto começou a interessar-se pelo que se estava a passar.
"Para mim?"- disse eu- "Não. Mas ouve. A maioria das pessoas tem sexo de qualquer maneira sabes? Não há mais nenhuma forma de vida da tua espécie por aí?"
" Não me perguntes a mim, idiota. Como eu disse sou novo por aqui. A vida é algo de completamente estranho para mim. Como é que ela é?"
" A vida"-disse eu- "é como uma toranja."
"Huh... Como assim?"
" Bem, é assim tipo amarelo-alaranjada e rugosa por fora e molhada e viscosa por dentro. E tem caroços no meio também. Ah, e algumas pessoas comem meia ao pequeno-almoço!"
"Há mais alguém por aí com quem eu possa falar?"
"Huh, suponho que sim, basta pedir a um polícia"

E assim foi o meu primeiro encontro com a criação. Depois disto entendi um pouco como Deus se deve ter sentido consternado a tentar explicar a Vida à vida.

7 Comments:

At 10:04 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Este texto de pura criaçao..so pode ter sido num dia de pura ressaca..ou pura budeira..l0ol..continua assim k vais bem;) bjx***

 
At 11:30 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Portanto tiveste um pequeno diálogo metafísico com uma poia fluvial.
Sinto muito, mas esse dejecto é só mais um dos inúmeros contributos dos lisboetas para o Tejo...
Ou alguém que fora mordido por uma poia radioactiva (e que pelo trauma perdera a memória, claro)...

As possibilidades são infinitas... não devemos discriminar pois não fomos nós também poias na sopa primordial?

 
At 7:53 da tarde, Blogger Rui Catalão said...

Isto devem ser os traumas da derrota nas setas. Só pode mesmo! Pronto, eu confesso...fizeste-me rir duas vezes: uma, quando introduziste a tua "amiga" (de merda, literalmente) na conversa e outra, quando cheguei ao fim e percebi o ponto ao qual podes chegar! É o desespero ahahaha

 
At 9:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

OH MI U DO TU TENS JEITO PA IS TO! :P

A história valeu pela moral do fim. Gosto da maneira como escreves, das tuas expressões. Tens piada. Não percas tempo com essas comiserações e "self-pity"'s, não percas tempo a sentir te demasiado infeliz. Mas também vamos lá ver... Não percas tempo, e sobretudo não nos faças perder tempo com as tuas musiquinhas soberbamente egocentricas do "Sou bom, sou giro, sou lindo" depois de um golo num simples jogo de matrecos! Got it?! ;)

*

 
At 3:25 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Amigo Galináceo,

fico muito satisfeito que enriqueças o ciberespaço publicando as tuas ilusões Hipnogógico-Alcoólicas.

Horta.

 
At 1:26 da manhã, Blogger Navalha said...

e eis que me deparo com um blog novo e - e isto é o que me choca - interessante.

Parabéns, pois claro.

P.

 
At 7:57 da tarde, Blogger T. said...

epah e gostei disto..=) gostei!

 

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