20060219

When you're with me maybe the skies will be blue...

Ele vivia sem rumo.
Ela tinha-se perdido pelo caminho.
Ele era sarcástico, cínico, aparentemente arrogante e nunca tinha tomado tempo para crescer.
Ela era bastante mais do que aparentava ser. Fria por fora e eternamente romântica por dentro, divertida e politicamente incorrecta. Parecia estar bem sozinha mas procurava eternamente aquele alguém.
Ele era também um romântico. Vivia a saltar de paixão em paixão sempre sem rumo ou padrão algum. Entre a euforia e a depressão bastava apenas um passo.

Conheceram-se um dia por amigos mútuos. Não se causaram grande impressão. Ela não se deu ao trabalho de criar conversa, ele estava tão absorvido em chamar para si todas as atenções que nem reparou no seu nome. A estória podia acabar aqui.

Contudo, eram colegas de faculdade. Durante um semestre inteiro apenas se cumprimentavam. Tinham um grupo comum de amigos mas o seu interesse um no outro era nulo. Um dia, numa dessas saídas, lá estavam os dois, ao pé um do outro e no entanto sem sequer se notarem. Ele estava assanhado. O inverno e algumas semanas sem sociabilização tinham-no deixado em baixo. Saiu à procura de alguém. Ela... Nem ela sabia o que queria. Contudo, como tudo aquilo mais elaborado no mundo, algo encaixou naquela noite. Não se falaram, nem sequer trocaram mais do que um olhar. Cumprimentaram-se, divertiram-se e despediram-se.

Ao dormir naquela noite ele sonhou com ela. Acordou satisfeito, bem mais satisfeito do que estivera em muito tempo. Bem mais satisfeito do que se tinha sentido com muitas das relações em carne e osso que havia tido recentemente. Contudo, não havia sido mais nada do que um sonho. O facto de não a conhecer havia-lhe permitido criar na imagem dela a personalidade da rapariga para ele perfeita. Tudo aquilo não significava nada.

Por algum motivo, ele não desistiu. Arranjou por terceiros o e-mail dela. Nada mais fácil. Persuasão era algo que lhe vinha naturalmente. Sentando-se na secretária, começou a escrever-lhe uma mensagem. Duas horas depois tinha sido enviada. Duas horas e oito minutos depois recebeu uma resposta.
“Amanhã pelas nove tomamos um café”
Tão directo como isto, tão simples como isto.
O efeito que tal mensagem lhe provocou foi avassalador. Pela primeira vez em vários anos sentiu receio e timidez. Pela primeira vez em muitos anos arrependeu-se de ter dado aquele passo.

Encontraram-se no café. Trinta minutos de conversa constrangedora, carregada de silêncios. Já tomado o encontro como arruinado, já bastante desconfortavel, em tom de desabafo e exasperação ele exclamou algo como:
“Desculpa estar pouco falador, estive no dentista há umas horas. Já não bastava o facto de pagar para me usarem a boca como recreio, ainda tive de esperar uma boa hora até ser atendido. Benditas sejam as revistas das salas de espera.”
“Revistas?”-perguntou ela franzindo o sobrolho.
Claro, respondeu ele, toda a gente lê revistas nos consultórios. Bem se tenta contrariar a tendência, pondo televisões, plantas, jornais e outros objectos passiveis de atraír a atenção às pessoas, mas a verdade é que, na sala de espera imperam as revistas. Sobre todos, da leitora compulsiva até ao mais erudito dos sábios. Pode nunca ter tocado uma dessas revistas, pode pertencer a uma seita cujo objectivo é expurgá-las da face da terra. Na sala de espera ninguém escapa ao domínio da revista cor-de-rosa.

As duas horas seguintes foram passadas em expeculações e argumentações sobre esse tema. As duas semanas seguintes em conversas e constatações sobre tudo e sobre nada.
Os dois meses seguintes foram um sonho. Ela era em muitos aspectos o seu equivalente, noutros ultrapassava-o. Juntos riam-se do mundo.

O fim da estória ainda não foi escrito. Como em tudo as possibilidades são infinitas.
O seu inicio foi uma mensagem mandada por causa dum sonho tido sob o efeito do alcool.

Esta foi a mensagem. Fui eu quem a escrevi.

11 Comments:

At 1:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

simplesmente...delicioso ;)

***

 
At 4:05 da tarde, Anonymous Anónimo said...

simplesmente lindooooooooo!!!
começo a ficar dependente deste teu cantinho... escreves sempre coisas tão lindassssssss

beijokas fofas *****

 
At 10:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Muito bonito meu menino...
Quem diria que por trás do rapazinho sempre algre e engatatão se escondem textos tão bonitos?
Ainda me estás a dever uma ida ao cinema...
beijos*******

 
At 1:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Admiro as pessoas que sabem escrever sobre qualquer coisa, mesmo sem terem nada para dizer produzem quilos e quilos de páginas cheias de frases. Felizmente para vós agora existem os blogs, já não precisam de despejar a vossa "criatividade" nos testes da escola ou nos trabalhos da faculdade, nessa espécie de masturbação literária que tanto me admira.
Força galináceo, dá-lhe com alma;)

 
At 2:20 da tarde, Blogger Rui Catalão said...

Todos esperamos histórias dessas, com finais felizes, imaginados, estereotipados, encantados...
Mas também todos sabemos que nem tudo é ouro sobre azul e as relações entre humanos levam voltas que nem nós mesmos conseguimos descortinar.
Falavas tu de blogs depressivos? Pouco te falta para entrares na depressão amorosa.

"Be careful with what you wish for" ahahahah!

Um abraço.

 
At 4:02 da tarde, Blogger T. said...

tou agarrada...
tokou nalguma coisa k andou desarrumada durante uns tempos em mim=)

adorei!****

 
At 1:20 da manhã, Blogger Sofia Prista Cunha said...

lindo o texto :) pk da idealização de alguém ás conversas timidas o passo é pequeno.
Beijinhos

 
At 10:58 da tarde, Blogger p said...

Gostei gostei! Isso dos sonhos já me aconteceu... É engraçado só nos darmos conta de alguém depois do nosso inconsciente nos alertar! E mal sabemos nós como podemos ser felizes ao lhe darmos "ouvidos". :)

Um beijinho *

 
At 5:50 da tarde, Blogger Nokkas said...

Ainda há quem não dê valor aos sonhos.. =) O texto está muito bonito *

 
At 4:35 da tarde, Blogger patiXa_ said...

Apesar de ainda não ter fim, eu tenho a certeza que acaba da melhor maneira que nós conseguirmos imaginar.

Não estou nada arrependida de ter vindo espreitar a tua "casinha".

 
At 4:35 da tarde, Blogger patiXa_ said...

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